02/07/2007

"O Mundo ao Contrário" - Reportagem SIC

Não posso deixar de falar nesta reportagem que me sensibilizou há umas semanas. Foi transmitida pela SIC e chamava-se "O Mundo ao Contrário". A equipa desta estação de televisão passou um mês no Instituto Português de Oncologia (IPO) e conviveu com enfermeiros, médicos, doentes, familiares... O resultado final foi fenomenal. Duro para quem teve oportunidade de ver mas muito mais duro para quem aceitou partilhar a sua dor. Tenho pena que a SIC não tenha a reportagem online mas mais abaixo deixo-vos o link que dá acesso à notícia da mesma em edições anteriores... Dá para terem uma pequena amostra daquela que, quanto a mim, foi a melhor reportagem dos últimos tempos. Espero sinceramente que este mundo ao contrário seja contemplado com algum prémio de jornalismo.

Quem passou algum tempo no IPO como eu, sente que a reportagem retrata na perfeição a realidade daqueles corredores. Conheci as paredes pintadas com desenhos animados no 7º piso do IPO há alguns anos atrás. Ia com uma missão: apresentar um espectáculo infantil, a convite de responsáveis da Renascença, rádio onde estava na altura. Foi a primeira vez que senti de perto a realidade que se vive naquele hospital. Já tinha andado pelos vários pisos do IPO quando era muito pequena. Ia visitar a minha tia que acabou por morrer da doença, mas era muito pequena para ter recordações muito tristes dessa altura. A pediatria do IPO recebeu-me de braços abertos e as lições de vida que se trazem de lá são melhores do que qualquer outra lição que nos ensinem na escola. Apresentava sorrisos e boa disposição a crianças que não reagiam... Ficava amiga de algumas delas, sentia um aperto quando tinha de me vir embora e ficava semanas a pensar nos momentos que passava por lá.

Ironia do destino... O meu mundo também já se virou ao contrário!
Passados alguns anos, eis que tive de voltar ao IPO para viver de perto a história de um amigo muito próximo. Desta vez não ia visitar o 7º piso mas outro que ficava mais longe... Passei bastantes dias por lá, conheci bastantes doentes e podem acreditar que não me esqueço de uma cara que vi naquelas camas de hospital. O IPO é uma autêntica lição de vida. Se me perguntarem como aguentei passar lá tanto tempo, não sei responder. Parece que a amizade verdadeira ultrapassa qualquer obstáculo e nos leva a fazer coisas e a ter atitudes que julgávamos impossíveis. Ir visitar um amigo ao IPO custa... custa muito... mas custava muito sentir que não estaria presente quando essa pessoa mais precisava de mim. Bastava vê-la dormir horas seguidas para ficar mais tranquila. Digamos que cresci nesses meses de visitas e não voltei a ser a mesma pessoa. Por vezes, era até "maltratada" mas confortava-me com a típica frase "não te preocupes pois é normal que os doentes de cancro tratam com menos carinho as pessoas de quem mais gostam". Ficava revoltada quando não era "bem recebida" mas alguns meses depois percebi que afinal até era uma das pessoas que esse meu amigo mais gostava... Quanto ao doente de cancro em questão (e digo-o assim porque de nada vale termos medo desta palavra, há que dizê-la, repeti-la e não evitá-la), está de óptima saúde e foi um exemplo de coragem! Os verdadeiros amigos estiveram lá, acompanharam, choraram, riram... Foram tempos em que esses mesmos amigos se telefonavam diariamente, queriam saber mais, procuravam notícias, combinavam cafés que acentuavam o regresso de ciclos de quimioterapia... O personagem principal agradecia os gestos e viciava-se em "bolos de bolacha"... A casa do nosso amigo herói transformava-se em autênticas tertúlias de amigos que insistiam em cansá-lo com visitas constantes. O cancro entra na vida de qualquer pessoa quando menos se espera e transforma realmente o "mundo" dela e dos que a rodeiam "ao contrário". Estamos preparados? Claro que não estamos! Saberemos enfrentar? Claro que sim! Sofremos muito com estas histórias? A todo o minuto... Comemoramos a cura? Simmmmmmmmmmmmm! Esperamos por esse momento a cada segundo? Óbvio! Passamos por dias completamente opostos daqueles que estamos habituados a viver? Sem dúvida...

Passaram cerca de três anos depois destes dias e hoje comemora-se a vida, a recuperação e a amizade! Voltarei ao IPO? Certamente! Mais que não seja porque sou jornalista da área da saúde e ainda acabarei por fazer uma entrevista por lá... Se gostava de fazer uma reportagem como a da SIC? Claro! De tão boa qualidade? Não sei, pois a imprensa não consegue o poder da imagem que só a televisão tem a honra de nos presentear. Posso tentar? Quem sabe...

Este post é uma pequena homenagem aos profissionais que têm a dura missão de cuidar com aqueles que passam por uma história de cancro! Digo-vos seguramente que nunca fui tão bem tratada num hospital e que o IPO é um mundo à parte... Coloca a vida de todos do avesso mas mostra-nos um mundo de profissionalismo sem igual.

Quanto à ideia de que o cancro é uma doença dos mais velhos, desenganem-se! Basta andar pelo IPO para ver que essa "ideia feita" faz parte do passado. No entanto, o lado positivo de tudo isto é que temos especialistas no IPO que sabem lidar com estas doenças e que as tratam como ninguém! É impossível entrar neste hospital e ficar indiferente. Diria até que todos nós deveríamos passar por aqueles corredores uma vez na vida para aprendermos a minimizar pequenas coisas na vida e dar valor a outras. Pode parecer duro o que estou a dizer mas digo-o do fundo do coração! Se tiverem algum amigo ou caso conhecido e quando vos surgir a dúvida se têm coragem de o visitar, não hesitem! Sigam em frente! Não evitem ir... E lembrem-se destas palavras que escolhi para partilhar convosco hoje.

Cliquem em http://videos.sapo.pt/qNn1ZduYCIg4wBap8URv e vejam um pequeno excerto da reportagem.

Sites de associações que apoiam (e bem) a doença:

Crédito à foto: Imagem do laço representativa da luta contra o cancro retirada do "Portal da Saúde"



8 comentários:

Andreia Azevedo Moreira disse...

Amiga tens toda a razão. Eu vi a reportagem e o nó na garganta e as lágrimas a correr são inevitáveis. Não há palavras quando uma doença destas nos bate à porta. Temos de ter força e ajudar como podemos. Infelizmente a partir de amanhã viverei de perto essa doença. É como pensar numa fera que não sabemos como enfrentar. Sentimo-nos totalmente impotentes. Resta-me ter fé. Bjinhos

Angélica disse...

Estive durante 2 anos a viver com a Acreditar momentos muito mais agoniantes que a Sic conseguiu transmitir. Assim como todos os problemas da miséria, fome, injustiça infantil que o mundo vive, e em contrapartida da evolução tecnológica e o progresso de outros benefícios, deixa-me revoltada (é mesmo essa a palavra) de como não é possível ajudar ou pelo menos minimizar essa dor... o fim dessas crianças. CRIANÇAS!!! já é complicado ver um adulto a sofrer, mas uma criança é quase que injusto Deus ter dado esse fardo!
No tempo que estive no IPO a maior (desculpa utilizar essa palavra) "alegria" era sentir a força que as crianças davam aos seus pais... como se fosse um empurrão de esperança para que ajudassem à eles próprios. Era emocionante.
Não consegui continuar porque perdi um David, um miúdo que envolvi-me não só pela injustiça da doença em si, como também não bastasse ele viver num orfanato. Era uma criança especial, carinhosa, meiga, e que distribuia sempre o sorriso e o abraço muito apertado - que ainda o sinto ...- Não tive mais coragem de voltar naquele espaço que fez com que tornasse um corredor de amargura de lembranças dessa injusta doença.
Desculpa o desabafo...
Mas é facto.
Escondi e carreguei comigo esses momentos durante muitos anos, achando que não deveria estar a falar com ninguém. Mas Clau, tens razão, é preciso falar, sensibilizar, mostrar às pessoas que a vida não é mais do que esse momento que estamos aqui, com todas as oportunidades de a viver. E VIVER é o que essas crianças, pais, familia, amigos rezam todos os dias para que seja mais um dia...
Ang

Unknown disse...

Não vi a reportagem...
Mas pelo que escreveste sente-se o que tu sentes e o que tu viste.
As crianças são para mim o melhor do mundo!!Vê-las sofrer deixa-me muito triste e angustiada!! Vê-las sofrer com tal doença corta-me o coração!!!Mas acredito que sejam elas a dar força aos próprios pais!!São lindas e têm um AMOR do tamanho do mundo!!
Vejo o cancro como um " bicho mau" que, quando não apanhado a tempo, consome as pessoas até ao FIM!!!
Esse teu " amigo" foi e é um heroi...lutou com todas as forças que tem e voces amigos dele foram, de certeza,o alimento da sua força.
Ele só tem que SORRIR para a Vida!!Infelizmente vivi uma história que não acabou bem...essa pessoa LUTOU até ao fim...até não poder mais. Estive sempre do seu lado...SEMPRE... e fui vendo dia a dia a sua degradação!!Horrivel!! Sempre que podia dizia a essa pessoa o quanto gostava dela!!!E gosto...vou gostar SEMPRE.
Essa pessoa era o meu Avó. Um avó a quem eu chamava o avó do cavalo...porque tinha um cavalo e me levava sempre a passear!!!O cancro foi mais forte que ele...Sofreu Muito.Esteja onde estiver quero acreditar que está bem...porque sofreu demais.
Com isto só quero que as pessoas percebam que devem lutar. A histórias que acabam bem outras mal. E há uma palavra que deve estar SEMPRE presente que é:...nunca desistir de lutar contra esse bicho mau...UM DIA ELE VAI DEIXAR DE SER MAIS FORTE QUE NÓS!!

Cláudia Pinto disse...

Amigas,

Obrigada pelos vosso comentários. Julgo que todas nós já sentimos de perto esta doença terrível. Andreia, desejo toda a sorte do mundo a partir de hoje e muita força para aquilo que vais enfrentar. Sei que vais procurar reunir forças onde menos esperas!

Angélica, também me afeiçoava a crianças do IPO quando lá ia com a Rádio da Malta, programa no qual foste produtora, e até tive vontade de me tornar voluntária. No entanto, sabia precisamente que me afeiçoaria muito facilmente às crianças e decidi não avançar com a ideia. Quanto aos desabafos, são sempre benvindos.

Marisa, infelizmente, há histórias que não acabam bem. Muitas mesmo. Eu também vi umas quantas que não terminaram bem enquanto festejava a cura do meu amigo. Ironia da vida e do destino: uns comemoram a cura e saem do IPO com a ideia de que têm de voltar apenas para exames de rotina e outros entram no IPO e já não voltam a sair! É por isso que digo que me lembro de todas as caras e dos familiares que viveram de perto a luta pela doença mas que não puderem comemorar no fim. É realmente uma dor muito grande e impossível de assimilar.
O teu avô sabe que estiveste sempre perto dele e essa é a maior prova de amor.

Gosto muito de todas vocês e espero receber sempre alguns comentários ao que vou por aqui escrevendo e desabafando...

Anónimo disse...

Olá amiga!
Quer dar-te os parabéns pelo teu blog! Apesar de muito recente, é já muito promissor! :) Gostei muito de ler tudo o que escreveste e fico contente em ver que escreves cada vez melhor. Comecei a ler o post sobre a reportagem do IPO e só consegui parar no fim :)Isto de ser jornalista tem muito que se lhe diga!
Quero também dar-te os parabéns pela tua futura graça, a de seres madrinha, que, como bem o dizes, é 1 grande responsabilidade, mas, acima de tudo, uma grande alegria! Essa bébé vai ser, por enquanto, uma espécie de tua filha :)Vais vê-la crescer e ver o teu amor por ela aumentar a cada dia que passa. Agora já só te falta plantar 1 árvore e ter um filhote (ou 2 ou 3, os que vierem)!
Muitos beijinhos desta tua amiga que gosta muito de ti!

AR disse...

Realidades que custam a aceitar, mas que sentimentos fortes como a amizade ajudam a minorar. :)

Anónimo disse...

Claudita, gostei muito de ver e prometo que vou ser "cliente" assiduo. De facto, além da reportagem e do teu testemunho nsobre o IPO dá para entender muitas coisas que ás vezes a vida que levamos nos encarrega de fazer esquecer. Tb eu ando a tomar contacto com essa realidade que felizmente ainda desconhecia e olha que as tuas palavras me ajudam a entender algumas realidades que me era alheia. A força, de facto, que mostramos ter em situações desta natureza é incompreensivel e não sabemos onde a ir buscar. Eu fui buscar a minha à meditação e a exemplos como o teu que agora li. Percebi também que a amizade e o amor tudo ajudam a superar de uma maneira como nunca pensei ser possível. Quem sabe, quando chegar o final feliz deste drama eu não vou também deixar uma mensagem de coragem como a tua?
bjkzz grandes e bons posts :) Pedro

Cláudia Pinto disse...

Ivana, obrigada pelas tuas palavras. Espero que tenhas razão e que tudo o que dizes seja mesmo verdade ;) eheheh

Pedro, a vida realmente coloca-nos em situações para as quais não estamos minimamente preparados! Recebemos estes baldes de água fria sem querer. As batalhas relacionadas com o cancro entram-nos pela porta, atacam amigos, familiares, pessoas de quem gostamos. Claro que é muito duro passar por isso e ficamos perdidos. Não demos autorização para que nos virassem a vida do avesso. Mas por outro lado, os diagnósticos precoces são fundamentais para que estes casos sejam curáveis! O facto de sermos positivos e do doente nunca deixar de o ser é meio caminho andado para a cura total e para a vitória. Passados uns tempos, vamos olhar para trás, pensamos que sofremos imenso mas que agora sorrimos à vida. Há lutas que valem a pena. Não consigo imaginar o que passa um doente com cancro. Tenho apenas uma pequena ideia, avaliada pelo que vivi no IPO. Estou aqui silenciosa e calmamente à espera que me venhas confirmar a cura da pessoa a que te referes. O mesmo desejo à Andreia. A vida continua mas sei que daqui a uns tempos vou receber boas notícias vossas!

Espero também que continues a ser "blogger" assíduo neste sótão :)

Beijinhos e muita força!